terça-feira, 6 de maio de 2014

Seu Olhar


Todo exame de vista é o mesmo veredicto: sua visão é perfeita. E saio cabisbaixa. Queria mesmo é que o exame detectasse a mais pura verdade: eu não enxergo nada bem. É que ainda a medicina fala do corpo, do grau, da doença e o que sinto fala das relações, do mundo, dessa epifania que é viver.

Eu preciso das lentes, sem elas não vejo bem: viro míope. Os meus óculos têm armações variadas (muito melhor que a coleção da Marília Gabriela) e me ajudam tanto a não entrar na contramão. A ver de perto. A ver longe. A ver junto. 

E como sina tenho um pai oftalmo que muito me ensinou a ver o mundo e que a cada exame das letrinhas dizia: "Sei que você quer usar óculos, minha filha, mas você não precisa. Quem sabe quando ficar mais velha. Não precisa ter pressa, aproveita essa visão que você tem."

Hoje, pai, sei que posso te dizer: sempre precisei de óculos, só não sabia dizer qual. Quando nova, eu precisava de vários. Quanto mais velha, mais escolho ficar com poucos, mas sei que são os que me fazem olhar o mundo com a lente do significado, das entrelinhas, do sentido. E você tinha razão: a pressa de achá-los não me ajudou em nada, a calmaria do encontro é que fez passar essa tontura. 

Meus óculos são feitos de gente. Gente que me ensina a ver o mundo todos os dias. Com coloridos, cinzas, lágrimas, olhos bem fechados de tanto sorrir, debaixo de chuva, no claro e no escuro. Com poesia e com afeto. 

Eu não nasci de óculos, mas quero morrer assim. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário